Raymundo Faoro: Os Donos do Poder. Imagem: Divulgação
Para Raimundo Faoro, no decorrer dos séculos, o Capitalismo Político, também conhecido como o Capitalismo Politicamente Orientado, manteve sua presença, deixando uma marca indelével em muitos países que foram moldados por meio da colonização. Esta resenha analisará como essa estrutura política historicamente influenciou a realidade estatal, com foco na persistência do patrimonialismo. O patrimonialismo é um tipo de domínio que se baseia na legitimidade do tradicionalismo, onde a premissa “assim é porque sempre foi” é o alicerce. No entanto, por trás dessa política aparentemente estática, reside uma complexidade e uma natureza particular que continuam a moldar a sociedade.
Uma das transformações mais notáveis que ocorreram na transição do Capitalismo Político para o Capitalismo Moderno foi a mudança do status do indivíduo. Anteriormente súditos, agora eles se tornaram cidadãos. O Estado deixou de ser um senhor absoluto para se tornar um servidor, mantendo a autonomia do homem livre. Essa liberdade pessoal conferiu aos cidadãos o poder de dispor da propriedade, comercializar, produzir, contratar e contestar, reduzindo o papel do Estado a um mecanismo de garantia por meio de leis e juízes, criando o que conhecemos como o “Estado burguês de direito”.
No entanto, a implementação do capitalismo industrial, expansivo e universalizador trouxe desafios significativos. A “desigualdade do ritmo” surgiu como resultado das necessidades externas que impulsionaram a sociedade a avançar em saltos. A “lei do desenvolvimento” também entrou em jogo, aproximando diferentes estágios e combinando formas arcaicas com modernas. Embora a sociedade capitalista possa parecer uma realização completa, a história revela a persistência do patrimonialismo, que continua a influenciar as sociedades.
O sociólogo Raimundo Faoro descreveu o patrimonialismo como um sistema político que se adapta às transições e às mudanças, atuando como um mecanismo estabilizador do modelo externo. Esse sistema concentra o controle financeiro, os monopólios, a concessão pública de atividades e o controle do crédito, da produção privilegiada e do consumo, variando de gestão direta à regulamentação da economia. Nas estruturas estamentais, há uma falsa aparência de liberdade, pois uma classe dominante continua a exercer seu poder de maneira velada ou ostensiva.
Dentro dos estamentos, uma classe dominante mantém o controle sobre a sociedade. As relações sociais são governadas por uma autoridade autoritária, onde a vontade coletiva é suprimida em prol dos interesses do estamento. A sociedade fica submissa a esse controle, com oportunidades de ascensão política para alguns e repressão para aqueles que desafiam o sistema. Essa estrutura é mantida a custo de tensões e conflitos, onde a justiça muitas vezes não segue normas objetivas e impessoais.
Em uma estrutura patrimonial, a soberania popular muitas vezes carece de efeitos práticos, pois uma única entidade monopoliza o poder. A lei maior perde sua capacidade normativa e a vontade popular é frequentemente manipulada. A elite política, que consiste principalmente no estamento, mantém o controle, e a soberania do povo é relegada a segundo plano. A lei e a eleição, apesar de formalmente livres, muitas vezes não refletem as necessidades e desejos reais da população.
O Brasil de hoje continua a refletir as complexidades e desafios herdados de sua história patrimonialista e estamental. Embora tenhamos visto avanços significativos em várias áreas, persistem profundas desigualdades sociais e políticas, bem como a influência de elites políticas que muitas vezes parecem priorizar seus próprios interesses em detrimento do bem-estar coletivo. A luta pela verdadeira igualdade, justiça e participação cidadã continua a ser um desafio constante. É crucial que o país continue a buscar reformas que fortaleçam as instituições democráticas, reduzam a corrupção e promovam uma sociedade mais inclusiva, onde todos os cidadãos possam desfrutar dos benefícios da liberdade e da igualdade sob um Estado de direito.
A cultura política brasileira sofre profunda influencia pelo passado patrimonialista que persiste até os dias de hoje. Mesmo com avanços econômicos, sociais e políticos aparentes, a dominação de uma classe sobre as outras permanece. A máquina estatal, herdada da colonização, continua a exercer influência administrativa e a manter uma cultura política deturpada. A falsa “liberdade e igualdade” ainda é uma realidade, onde vemos muitas vezes a repressão pelo Estado da reivindicação dos direitos humanos. Para criar uma nova civilização verdadeiramente igualitária, é necessário romper com as estruturas patriarcais e estamentais que ainda estão presentes na sociedade brasileira.
Por fim, leia também: O Enraizamento de Simone Weil
Modificada pela última vez em 19/09/2023 14:18
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