"O mundo assombrado pelos demônios" de Carl Sagan. Imagem: Divulgação Companhia das Letras
Em um mundo onde as fronteiras entre ciência e pseudociência frequentemente se confundem, a sabedoria de Carl Sagan em sua obra-prima de 1996, “O Mundo Assombrado pelos Demônios,” permanece tão relevante quanto sempre. Enquanto os celulares eram, em certo momento, apenas dispositivos para chamadas telefônicas e a internet era vista como uma tendência passageira, Sagan abordou preocupações mais profundas, que continuam a moldar nossa compreensão do universo e nosso lugar nele.
Sagan era um homem que levava a sério os medos e as ansiedades de sua época. Ele entendia o atrativo de explicações simplistas e respostas prontamente consumidas. Sua missão não era inundar as pessoas com fatos científicos. Mas, sim, promover uma compreensão da essência da ciência – a noção de que reivindicações extraordinárias exigem evidências tangíveis e testáveis.
Escrevendo para a amplamente lida revista Parade, que alcançava 80 milhões de leitores, Sagan abraçou a tarefa de construir pontes entre os mistérios do cosmos e as curiosidades dos americanos comuns. Muitas vezes, esses mistérios tinham naturezas diferentes, e Sagan navegava habilmente por esse terreno.
Muitos capítulos de “O Mundo Assombrado pelos Demônios” foram originalmente escritos para a Parade, o que confere ao livro uma sensação ligeiramente datada. Durante essa era, um número significativo de americanos genuinamente temia abduções alienígenas. A ideia de pequenos seres verdes descendo dos céus para colher fluidos vitais não era apenas ficção – era uma crença mantida por muitos. Até mesmo o professor de Harvard, John Mack, entreteve a ideia de que essas experiências poderiam ser reais, ganhando assim um Prêmio Ig Nobel no processo.
No entanto, à medida que os anos passaram, os alienígenas que criavam círculos nas plantações e abduziam humanos começaram a desaparecer na obscuridade. Seus lugares foram ocupados por vampiros, lobisomens e uma variedade de outros fenômenos, frequentemente impulsionados por médiuns, terapeutas de cristais e curandeiros espirituais. A fascinação pelo desconhecido permaneceu, apenas os temas mudaram.
O que é particularmente encantador na exploração persistente de Sagan das fantasias extraterrestres é seu próprio desejo de fazer contato com seres inteligentes de além. Ele foi um fervoroso defensor da busca por inteligência extraterrestre (SETI) e iniciou a inclusão de um disco de ouro na sonda Voyager, carregando visões, sons e músicas da Terra para o vasto cosmos – uma mensagem para qualquer possível civilização extraterrestre.
O livro de Sagan, “Contato”, posteriormente adaptado para um filme estrelado por Jodie Foster, explora lindamente a ideia do primeiro contato com outro sistema estelar. No entanto, sua crença em vida extraterrestre estava fundamentada na compreensão de que a crença por si só é sem significado sem evidências testáveis e avaliação rigorosa – um princípio que permanece no cerne da investigação científica.
Após ler “O Mundo Assombrado pelos Demônios”, o ceticismo adquire uma conotação mais calorosa e positiva. Torna-se uma ferramenta para descobrir as maravilhas genuínas do nosso mundo, enquanto desfaz delírios. Dentro destas páginas, Sagan tece anedotas encantadoras, desde sua zombaria confiante do Dalai Lama até suas discussões conhecedoras sobre textos religiosos e sua crítica às atitudes anti-intelectuais na cultura americana.
A gama de referências de Sagan é nada menos que fenomenal, abrangendo tópicos tão diversos quanto a história constitucional dos EUA, julgamentos de bruxas na Alemanha, manipulação da memória histórica na URSS, propriedade de mídia, desarmamento nuclear e busca pelo conhecimento.
Ele argumenta apaixonadamente que o ceticismo é um pré-requisito essencial para a cidadania responsável, enfatizando que o custo da ignorância supera em muito o custo da educação. Embora ele possa não estar sempre tecnicamente correto em todos os detalhes, ele consistentemente defende valores como generosidade, liberdade, tolerância e bolsa de estudos.
Voltando aos temas iniciais do livro, a crítica vitalícia de Sagan ao papel da mídia de massa na perpetuação da ignorância pública continua marcante. No início dos anos 1990, uma porcentagem chocante de americanos carecia de conhecimento básico sobre o mundo. E isso contrastava drasticamente com sua consciência de escândalos de celebridades.
Sagan não tinha medo de desafiar a complacência política que parecia endossar a ignorância pública. Ele contrapõe a dependência de Ronald Reagan em uma astróloga para conselhos à crença de George Washington de que o conhecimento é a base da felicidade pública.
O mundo pode até estar diferente de muitas maneiras desde que “O Mundo Assombrado pelos Demônios” chegou ao público pela primeira vez. Mas a importância duradoura do pensamento crítico, da investigação baseada em evidências e do compromisso com o conhecimento permanece constante. Em um mundo onde a desinformação e a pseudociência continuam a proliferar, a mensagem de Carl Sagan serve como uma luz guia. Sempre lembrando-nos de que a busca pela verdade e pelo entendimento é uma nobre empreitada, independentemente da época.
Enquanto navegamos em um mundo repleto de mistérios e desafios em constante evolução, podemos encontrar consolo nas palavras de Carl Sagan. E também em sua crença inabalável de que o cosmos é um vasto tesouro de conhecimento esperando para que nós o exploremos. Além de compreendido e apreciado por curiosos e céticos, independentemente da era.
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Modificada pela última vez em 04/09/2023 10:46
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